Com a criação do Conselho de Arquitetura e Urbanismo - CAU, a responsabilidade pelas atividades profissionais de conservação e restauração do patrimônio cultural construído ficou, definitivamente, sobre os ombros do arquiteto.
Entretanto, diferente de outras profissões, ainda não é exigido pelo órgão de classe que o profissional tenha especialização para exercer suas atividades neste campo do conhecimento. Para tanto, seria necessário uma norma legal. Então, sem a devida qualificação técnica para exercer as atividades pertinentes à conservação e ao restauro de bens construídos considerados patrimônio, o profissional fica à mercê das disposições constantes na nossa Carta Magna. Na Constituição Brasileira, precisamente no parágrafo 4º, do item V, do artigo nº 216, tem-se que: Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos na forma da lei’. Ou seja, em termos de patrimônio cultural, nosso ordenamento está orientado para uma posição de caráter fundamentalmente preventivo, voltada para o momento anterior à consumação do dano – ou mero risco (1).
Essa disposição legal é mais severa na medida em que o arquiteto recebe apenas uma formação acadêmica generalista, capaz de fazê-lo compreender e traduzir as necessidades de indivíduos, grupos sociais e comunidade, com relação à concepção, à organização e à construção do espaço interior e exterior, abrangendo o urbanismo, a edificação, o paisagismo, bem como a conservação e a valorização do patrimônio construído, a proteção do equilíbrio do ambiente natural e a utilização racional dos recursos disponíveis (2).
O grifo pretende ressaltar a pergunta que não se cala: Pode o arquiteto ser criminalizado por colocar em risco de danos o patrimônio se não é oferecida na sua formação conteúdos teóricos e práticos para a qualificação técnica no âmbito da proteção (conservação e restauro) aos bens culturais? E mais, outra questão pode e deve ser apresentada: Como pode ele (arquiteto e urbanista), recém-formado ser criminalizado se a sua entidade de classe profissional o reconhece como capaz de realizar intervenções de conservação e restauro, registrando seu Registro de Responsabilidade Técnica?
Seja como for ou qual for a resposta, o fato é que, por deficiências nas matrizes do ensino da Arquitetura e do Urbanismo e por ausência de respaldo de legislação na entidade de classe do arquiteto, o patrimônio cultural não pode ser exposto à danos ou às ameaças de danos sem que alguém ou uma instituição não venha responder judicialmente pelo feito.
Assim como a ignorância das leis não isenta o infrator nem reduz o seu delito, assim também o atual cenário de formação e capacitação profissional do arquiteto e urbanista não diminui sua responsabilidade civil pela garantia da integridade de um bem cultural em que esteja trabalhando. Portanto, procurar se especializar nas práticas de projetos, obras e serviços de conservação e restauro é tarefa urgente para o profissional que sai das universidades e quer trabalhar ou estar preparado para assumir as responsabilidades que a lei lhe atribui.
Devo esclarecer que cursos de pós-graduação com finalidade prioritária para a vida acadêmica, especialmente aqueles de maiores níveis como doutorado e mestrado, em princípio, não agregam aos profissionais conhecimentos práticos para, como responsável técnico, coordenar equipes em canteiros de trabalho em serviços como desmontes parcial ou total de um retábulo do século XVIII, p.e., ou de um painel de azulejos históricos ou como reforço de alvenarias armadas semelhantes às gaiolas pombalinas. Conhecimentos práticos das práticas de obras e serviços são adquiridos junto aos mestres de ofícios e instrutores que mostrem como se faz determinados trabalhos, que ferramentas são necessárias, quais as técnicas e os materiais mais adequados.
Evidentemente que não se espera que o arquiteto venha ser um experto em cada ofício tradicional da construção, mas é necessário ter noções de como cada serviço deva ser feito baseado nos principais protocolos de boas práticas de área de trabalho - cantarias, carpintaria e marcenaria, estuque, forja, ferraria e fundição, pinturas, alvenarias, acabamentos. Lembrando que um responsável técnico de obras e serviços de conservação e restauração deve ter as habilidades de um Gestor de Restauro, cuja eficiência e eficácia tem base na autoridade das suas habilidades conceituais, técnicas e humanas.
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(1) MIRANDA, Marcos Paulo de Souza, in Tutela do patrimônio cultural brasileiro: doutrina, jurisprudência, legislação, p. 32, Belo Horizonte, 2006.
(2) Resolução nº 6, de 2 de fevereiro de 2006, MEC, disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rces06_06.pd>. Acesso em: jun. 2020.
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