A Carta de Veneza é um dos documentos mais influentes na área de preservação do patrimônio cultural construído desde a segunda metade do século passado porque foi pioneiro ao obter a maior repercussão, estabelecendo princípios que guiaram a prática da conservação e do restauro em todo o mundo. Formalmente conhecida como Carta Internacional para a Conservação e o Restauro de Monumentos e Sítios, foi resultado das discussões realizadas na cidade de Veneza, em 1964, durante o II Congresso Internacional de Arquitetos e Técnicos dos Monumentos Históricos. Decorridos 60 anos, especialistas do Ocidente têm se reunido para celebrar essa efeméride, com vistas a revisitar a Carta a partir das perspectivas conceituais e práticas, abordando sua evolução histórica e a sua relevância nos contextos contemporâneos. O Brasil como repositório de grande e variado acervo mundial da arquitetura e do urbanismo não ficou de fora. Pernambuco dá a largada nas festividades promovendo o seminário técnico, numa da iniciativa do Conselho de Arquitetura e Urbanismo − CAU, associado à Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco – FUNDARPE, dentro da 17ª edição da Semana do Patrimônio, que ocorrerá de 12 a 17 de agosto de 2024.
As seis décadas da existência da Carta exigem que, além das festividades, sejam dedicados momentos para reflexões das experiências desenvolvidas e executadas, acumuladas ao longo dos anos na aplicação dos conceitos e das práticas que preconizou. Aqui proponho uma revisão daquele texto, dentro das perspectivas conceituais e práticas, numa análise que proponho crítica e integradora. Nela, avalio as minhas vivências, considerando tanto a visão conceitual como a prática aplicada. Não me aprofundarei na discussão da literatura, pois é requerido estudos aprofundados – deixo isto para os expertos acadêmicos. Trago o testemunho de vista do quanto os princípios e os métodos enunciados naquela época resultaram na minha trajetória profissional, buscando avaliar os impactos daquele documento no início da minha carreira e o tanto que ainda repercutem nas minhas atividades.
Contexto
Conheci a Carta de Veneza em 1972, quando estagiava na Secretaria de Planejamento da Prefeitura Municipal de Olinda. Naquele momento eram concluídos os trabalhos de elaboração do PDLI – Plano de Desenvolvimento Local Integrado de Olinda, que trazia uma convergência de ações para serem postas em prática, norteando a gestão municipal num horizonte de dez anos, com a particularidade de articular o planejamento urbano com a conservação e turismo cultural no sítio histórico de Olinda. Por algumas vezes, presenciei o arquiteto Paulo Ormindo de Azevedo, um dos responsáveis daquele Plano, citar a Carta, e isso levou-me achar, na estante do meu pai, uma revista do IAB (no 27, set. 1964), noticiando o Congresso e seus resultados com a promulgação da Carta. Li com interesse e voltei a contactá-la quando comecei o estágio na FUNDARPE em 1974, quando o então Prof. José Luiz da Mota Menezes sempre se referia ao documento como um balizador às condutas dos projetos que então estavam em marcha para atendimento ao Programa de Reconstrução das Cidades Históricas do Nordeste, mais tarde denominado simplesmente Programa de Cidades Históricas.
A Carta surgiu num momento de intensos debates, frutos das reflexões sobre as ações de reconstrução das cidades, vilas e monumentos que foram reduzidos a escombros, no contexto do pós Segunda Grande Guerra. A devastação causada pelo conflito trouxe à tona a necessidade de produzir métodos eficazes para a conservação e o restauro dos monumentos e dos sítios históricos. Naquela época, várias iniciativas internacionais já haviam sido lançadas, culminando na elaboração de documentos normativos que buscavam harmonizar os esforços de preservação no Continente Europeu. A Carta de Atenas de 1931 foi uma importante precursora, mas em razão da magnitude das devastações causadas pela guerra, o que vinha sendo feito ao sabor das perspectivas individuais de alguns arquitetos, gerava reações acaloradas. Tanto que a UNESCO, com a colaboração do governo italiano, resolveu reeditar o congresso do início da década de 30, escolhendo a cidade de Veneza, para reunir expertos de inúmeras nacionalidades para se discutir as condutas que estavam então em curso e extrair propostas consensuais para se intervir no patrimônio cultural construído. Inclusive, foi esse encontro a semente que gerou o International Council on Monuments and Sites – ICOMOS.
A Carta de Veneza ficou composta por 16 artigos, delineando princípios essenciais para a conservação e o restauro de monumentos e sítios históricos. Entre os mais importantes que tiveram, direta ou indiretamente, presentes na minha vida profissional, destaco:
• O artigo 1º que diz: “O conceito de monumento histórico abrange não apenas a obra arquitetônica única, mas também o cenário urbano ou rural no qual se encontra a evidência de uma civilização específica, um desenvolvimento significativo ou um evento histórico. Isso se aplica não apenas a grandes obras de arte, mas também a obras mais modestas do passado que adquiriram significado cultural com o passar do tempo”.
• O artigo 5º que expressa: “A conservação de monumentos é sempre facilitada ao fazer uso deles para algum propósito socialmente útil. Tal uso é, portanto, desejável, mas não deve mudar o layout ou a decoração do edifício. É dentro desses limites somente que modificações exigidas por uma mudança de função devem ser previstas e podem ser permitidas”.
• O preconizado no artigo 9º foi um dos mais importantes: “O processo de restauração é uma operação altamente especializada. Seu objetivo é preservar e revelar o valor estético e histórico do monumento e é baseado no respeito ao material original e aos documentos autênticos. Ele deve parar no ponto onde a conjectura começa e, neste caso, além disso, qualquer trabalho extra que seja indispensável deve ser distinto da composição arquitetônica e deve ter um selo contemporâneo. A restauração em qualquer caso deve ser precedida e seguida por um estudo arqueológico e histórico do monumento”.
Dois outros artigos, também tiveram repercussões na minha formação: Artigo 10º − “Onde as técnicas tradicionais se mostram inadequadas, a consolidação de um monumento pode ser alcançada pelo uso de qualquer técnica moderna de conservação e construção, cuja eficácia tenha sido demonstrada por dados científicos e comprovada pela experiência”;
• artigo 11º: “As contribuições válidas de todas as épocas na construção de um monumento devem ser respeitadas, uma vez que a unidade de estilo não é o objetivo de uma restauração. Quando um edifício inclui trabalhos sobrepostos de diferentes períodos, a revelação do estado subjacente só pode ser justificada em circunstâncias excepcionais e quando o que for removido seja de pouco interesse e o material que é trazido à luz seja de grande valor histórico, arqueológico ou estético, e o seu estado de preservação seja bom o suficiente para justificar a ação. A avaliação da importância dos elementos envolvidos e a decisão sobre o que pode ser destruído não pode depender apenas do indivíduo responsável pela obra”.
Vivências com a Carta
Ainda estudante de arquitetura, tive a oportunidade de trabalhar como desenhista nos detalhamentos de importantes componentes e elementos construtivos e artísticos da Catedral da Sé, do antigo Palácio dos Bispos, da Igreja de N. Sra. da Graça do antigo dos Jesuítas, na cidade de Olinda; da antiga Casa de Detenção do Recife, então sendo transformada em Casa da Cultura; e, em Igarassu, do agenciamento da Praça Marechal Deodoro e do restauro do casario da rua São Sebastião. Presenciei a enorme influência que o IPHAN exercia sobre as diretrizes dos projetos, impondo alterações substantivas ao que era pensado pelos arquitetos responsáveis (José Luiz Mota Menezes, Fernando de Barros Borba, Neide Fernandes de Souza e Max Luterman).
Eu sabia que quem ditava as condutas das intervenções era o presidente da entidade, arquiteto Renato Soeiro, ouvindo sempre o Dr. Lúcio (Lúcio Costa), que através de cartas, telefonemas e constantes visitas do seu porta-voz Augusto Carlos da Silva Telles eram procedidas as alterações projetuais, na medida em que “achados” eram encontrados a partir da remoção total dos rebocos externos e internos das edificações. Esse protocolo antigo, desde o final da década de 1930, de se escarnar os revestimentos parietais, permitia se conversar com o monumento porque ele fala com você, era o que dizia um Dr. Ayrton (PE), um Roberto Lacerda (MG), um Luiz Saia (SP) e outros arquitetos e técnicos. Prática que, anacronicamente, vem sendo utilizada com a aprovação do Poder Público, como no caso atual da demolição de todos os rebocos do Teatro Santa Roza, na cidade João Pessoa – PB. Embora nem sequer fosse um simples neófito na área do restauro, duas alterações de projeto foram impactantes para mim na época. A primeira, a determinação de se substituir os balcões de ferro da fachada do antigo Palácio dos Bispos por novos de madeira, semelhantes aos balcões existentes nos sobradinhos da praça de São Pedro e da rua do Amparo, em Olinda. A outra foi a modificação da fachada da Catedral cujo projeto original previa a reconstituição do aspecto que havia chegado até ao final do século 19. No primeiro caso, recebi a incumbência de fazer o desenho técnico dos balcões, levantando as medidas e registrando os detalhes técnico construtivos para possibilitar a execução das réplicas. Aquilo me causou tamanho espanto que ousei enviar ao Lúcio Costa uma carta, perguntando quais as razões de ele exigir a alteração dos gradis de ferro por balcões mouriscos.
Nunca tive resposta. É provável que essa carta ainda exista lá nos escaninhos do arquivo Noronha Santos. Na segunda exigência, desenhei as alterações da fachada do projeto de José Luiz, eliminando as volutas do frontão e alterando o zimbório com desenho acebolado da torre sineira por outro piramidal, além do acréscimo de mais uma torre pelo lado Sul. A mando do Lúcio Costa, inclusive, José Luiz atendeu seu pedido de mandar “o menino” (eu) desenhar o pórtico da Igreja do Carmo, copiando-o na escala de 1:1 com a finalidade de os estucadores executarem a réplica. Pórtico esse que estava documentado em pintura holandesa de época (Franz Post, 1612–1680). A modificação da fachada teve grande repercussão junto a alguns arquitetos atuantes do IAB, particularmente o arquiteto Geraldo Gomes, que bradava por esse e outras alterações que ele via como absurdas.
Em 1976, embora impossibilitado de participar do II Curso de Especialização em Restauração e Conservação de Monumentos e Conjuntos Históricos, oferecido pela Faculdade de Arquitetura da UFPE, em convênio com a SEPLAN-PR/IPHAN/FUNDARPE/UFPE, tive ocasiões de conhecer alguns professores visitantes de outras nacionalidades que vieram dar aulas, e ouvir máximas preconizadas como práticas hodiernas de se intervir no patrimônio – referiam-se às recomendações da Carta de Veneza. O primeiro grande conflito que enfrentei como arquiteto para fazer valer princípios importantes daquele documento, deu-se em 1978 (UFMG), quando participei como aluno daquele curso, que veio ser conhecido posteriormente pelo acrônimo de CECRE. Tratou-se da diretriz preconizada pelo artigo 11º da Carta que diz: “As contribuições válidas de todas as épocas na construção de um monumento devem ser respeitadas, uma vez que a unidade de estilo não é o objetivo de uma restauração [...]”. Meu objeto de estudo era o restauro da Igreja de São Sebastião, localizada ao pé da ladeira do Varadouro, em Olinda, construída por etapas, em épocas distintas, recuando a sua fundação ao final do século 17 (1686). Ocorre que, em face da Lei das Biqueiras (Lei no 446, 1920), essa igreja foi neoclassizada, perdendo o beiral de tríplice telha (beira, sebeira e bica) na fachada Sul, as tesouras da nave do tipo canga-de-porco, a cimalha real que tornejava toda a nave. Na fachada o beiral havia sido substituído por uma platibanda, as tesouras e a trama da nave haviam sido trocadas por outras de pendural com trama de madeira tradicional (caibros roliços e ripas de Imbiriba, e a cimalha destruída e sobre ela assentados rebocos. Também, a fachada já havia sido alterada antes dessa reforma, perdendo-se a original de caráter maneirista – frontão triangular, óculo ao centro, porta de entrada para nave ladeada por duas janelas. Todo o projeto executivo foi elaborado durante o curso, contando com as assistências de especialistas convidados, nacionais e internacionais. Inclusive o Augusto Carlos da Silva Telles foi um dos membros dos aconselhadores dos alunos e membro da banca de exame, cujo projeto foi aprovado sem restrições.
Ocorre que, retornando às minhas atividades na FUNDARPE, o projeto foi enviado para a então 5ª Regional do IPHAN em Recife, a fim de receber a aprovação exigida para se submeter ao Programa das Cidades Históricas. O Dr. Ayrton Carvalho, ouvindo o técnico José Ferrão Castelo Branco, não aceitou a proposta trazida do curso. Exigiu que fossem restaurados tudo o que havia sido alterado na década de 1920. Após muitas discussões e inúmeras idas e vindas, consegui apenas manter a platibanda como testemunho de época, sendo reconstituídos todo o madeiramento estrutural e trama do telhado da nave e a cimalha real. Lembro-me que na época de requisitar as argumentações para a não aceitação da proposta, haja vista que essa tinha sido amplamente debatida durante o curso. Nenhuma alegação ou arrazoado para contradizer a proposta era declarado além do “eu não concordo com isso”, “Eu acho melhor que seja assim...”, “É uma excrecência...”. Aliás, enfrentei até poucos anos atrás, na mesma repartição, esse bordão do “eu não concordo, eu acho melhor...”, utilizando-se dessa falácia afetiva, sem apresentar um argumento lógico, racional e consistente com base em diretrizes reconhecidamente válidas.
Durante e após tantas outras vivências em projetos e obras de conservação e restauro pude constatar que não são muitos os exemplos em que foi possível fazer valer a adoção das principais diretrizes da carta assim como das congêneres sucessoras. Seja por imposições de clientes públicos e privados, seja pela vontade de um analista de plantão, seja pela incompreensão da comunidade usuária, tem sido possível observar que, o gosto ou a apreciação popular, no sentido lato dessa palavra, dá-se pelas coisas bem conservadas, inteiras, com aparências de novo, limpo, “higiênico”. Em certo modo isso é compreensível e até aceitável, pois a resistência na apreciação das coisas plenas de pátina do tempo é resultado de uma combinação de valores culturais, estéticos e econômicos que privilegiam o Novo e o Moderno em detrimento do Antigo e do Preservado. Entretanto, essa resistência pode ser desafiada e transformada por meio de uma vigorosa educação patrimonial, pela conscientização cultural da necessidade da valorização do patrimônio histórico.
Impacto e Relevância da Carta
É certo que a adoção da Carta de Veneza representou um marco decisivo na preservação do patrimônio cultural construído. Ela estabeleceu uma base conceitual sólida, influenciando arquitetos, engenheiros, especialistas, legislações, políticas e práticas em todo o mundo. Diversos países incorporaram seus princípios em suas normativas nacionais, em condições de abordagens mais criteriosas nas intervenções nos monumentos históricos e artísticos. A Carta foi um catalisador para o desenvolvimento de novos outros encontros e documentos internacionais que aprofundaram e expandiram os critérios e condutas ali recomendados. A Carta del Restauro (Itália, 1972), as Recomendações de Nairobi (Quênia,1976), a Carta de Burra (Australia,1979), a Carta de Nara (Japão, 1994) e tantos outros documentos posteriores são exemplos da ampliação e do aprofundamento aos conceitos germinados na Carta de Veneza.
Nela foram suscitadas as questões que ainda hoje são objetos de aplicações e de estudos mais avançados:
─ Autenticidade e Integridade: a Carta enfatizou a importância de se reconhecer “a responsabilidade coletiva pela sua salvaguarda para as gerações futuras, e aspira, simultaneamente, a transmiti-los com toda a riqueza da sua autenticidade“, consequentemente respeitando os materiais e as técnicas originais, evitando-se falsificações e reconstituições hipotéticas, sem lastro em “documentação autêntica”. Integridade dos monumentos e sítios foi considerada objeto de cuidados especiais a fim de salvaguardar as edificações e os sítios dos decaimentos e dos danos.
─ Mínima Intervenção: as intervenções devem “restringir-se ao mínimo necessário para se assegurar a conservação do monumento e restabelecer a continuidade das suas formas“. Neste sentido, os materiais e as alterações, devem ser, sempre que possível, reversíveis para se permitir futuras intervenções que se apresentem mais adequadas com pelo avanço da tecnologia e do conhecimento.
─ Contexto Histórico: a preservação deve considerar o contexto histórico, cultural e social dos monumentos. Todas as alterações devem respeitar a evolução histórica, preservando-se as marcas e testemunhos do tempo e as transformações sofridas ao longo dos anos.
─ Colaboração Multidisciplinar: a Carta destacou a importância de uma abordagem multidisciplinar, envolvendo arquitetos, historiadores, arqueólogos, engenheiros e tantos outros especialistas, cuja colaborações sejam essenciais para uma compreensão abrangente e uma intervenção adequada e segura.
─ Documentação e Estudo: desde a fase do projeto de qualquer intervenção, tornou-se imprescindível a elaboração de estudos detalhados e exames sobre do estado de conservação dos monumentos e sítios. A pesquisa histórica, com uma análise crítica de bases científicas tornaram-se fundamentais para uma intervenção insuspeita.
Desafios nas Revisões Conceituais
Apesar de sua influência duradoura, a Carta de Veneza não ficou isenta de críticas e desafios. O contexto contemporâneo e a inserção da preservação do patrimônio das edificações do período Moderno da arquitetura, trouxeram novas questões que exigem uma reavaliação daqueles princípios da década de 1960. Uma delas a questão da diversidade cultural, aí incluída com particularidades o patrimônio intangível (imaterial). A Carta de Veneza foi criticada por seu foco predominantemente eurocêntrico e material. Entretanto, era justo, pois, afinal, enfrentavam-se os grandes desafios das reconstruções do que havia sobrado das destruições da Grande Guerra. A crescente valorização do patrimônio imaterial e a necessidade de uma abordagem mais inclusiva e diversa demandaram atualizações dos princípios para se considerar de maneira mais adequadas as diferentes culturas e práticas de conservação. A diversidade cultural foi paulatinamente sendo considerada uma riqueza inestimável, que contribui para a vitalidade e a resiliência dos homens. Essa tomada de consciência, passou a exigir esforços em diversas frentes, incluindo políticas de preservação dos bens culturais, educação inclusiva, direitos dos povos indígenas, apoio às indústrias culturais tradicionais, e uma cuidadosa gestão face à globalização e os avanços das tecnologias. Reconhecer e valorizar a diversidade cultural tornou-se essencial para se construir um futuro mais sustentável para todos.
As questões relativas aos bens intangíveis, que incluem as tradições orais, as práticas sociais, os rituais e festivais, os conhecimentos e as habilidades, transmitidos de geração em geração, mostraram-se essenciais para a continuidade da identidade cultural e a diversidade humana. No decorrer das décadas seguintes da difusão da Carta de Veneza, com os sucessivos encontros, seminários e congressos, as tradições, línguas e práticas as mais variadas, que constituem o patrimônio imaterial, formando a base sobre a qual os povos constroem a identidade e o senso de pertencimento, evidenciaram-se que, sem essas tradições e práticas, as culturas podem perder sua essência e sentido de continuidade histórica. A preservação dos bens intangíveis garante que as histórias, os valores e os conhecimentos de cada cultura sejam mantidos vivos, permitindo que as futuras gerações compreendam e apreciem suas raízes. A continuidade dessas tradições é vital para a identidade coletiva e o orgulho de cada povo.
Acredito que tais questões apresentam-se como um grande desafio no momento das conjugações das nações em blocos rumo à globalização, a famigerada “aldeia global”, cantada num passado não distante. Acrescente-se que, os rumos da IA (Inteligência Artificial), que já contam com bio chips de proteínas e redes neurais, na construção de dispositivos de biotecnologia e de microeletrônica levará em curto prazo as atuais realidades virtuais denominadas de 3D, para as de 4D e mais, onde o sensório/emocional estará acessível. Nesse ponto, então, quais as diretrizes, os princípios, e quais os limites projetuais que deverão ser levados em consideração nesse novo mundo “ilusório”?
Jorge Eduardo Lucena Tinoco